Ceará pode proibir pulverização aérea de agrotóxicos. Foto:
Divulgação
“Os aviões faziam o retorno em cima da comunidade e passavam
por cima da igreja. A comunidade ficava toda branca, como se estivesse
nevando.” O relato da agricultora Socorro Guimarães, 42 anos, diz respeito à
prática da pulverização aérea de agrotóxicos nas propriedades rurais próximas
da comunidade Tomé, em Limoeiro do Norte, a 200 quilômetros de Fortaleza.
O município se localiza na região da Chapada do Apodi, uma
das áreas mais ocupadas pelo agronegócio no Ceará, perto do perímetro irrigado
Jaguaribe-Apodi e da divisa com o Rio Grande do Norte.
A pulverização aérea, forma de aplicação de defensivos sobre
as culturas agrícolas, pode ser proibida no estado. Um projeto de lei quer
vedar o uso da técnica por considerá-la a mais nociva para a saúde e para o
meio ambiente.
“A pulverização é feita com uma grande quantidade de calda
tóxica, que é a mistura de um óleo vegetal com o veneno. Para o produtor, a
aplicação aérea representa uma grande quantidade aplicada de uma única vez.
Portanto, para ele, é uma relação de custo-benefício melhor. Para o meio ambiente
e para a saúde, é ruim, porque existe uma deriva [quando o defensivo agrícola
não atinge o local desejado] causada pelo vento que expõe mais solo, água e
comunidades”, explica o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), autor da
proposição.
Homenagem
O projeto recebeu o nome de Lei Zé Maria do Tomé, uma
homenagem ao líder comunitário e ambientalista de Limoeiro do Norte (CE)
assassinado em 2010. Ele era reconhecido por encampar a luta pela proibição da
pulverização aérea de agrotóxicos.
Nessa época, a Câmara Municipal da cidade aprovou e
promulgou lei proibindo a técnica. Cinco meses depois, em abril, Zé Maria foi
morto com 19 tiros. No mês seguinte, a lei foi revogada. A proposta de lei
estadual que tramita na Assembleia Legislativa já foi aprovada em duas das seis
comissões para as quais o texto foi distribuído.
Pulverização aérea
Uma instrução normativa do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, editada em 2008, impõe regras para aviões agrícolas
que fazem pulverização de agrotóxicos, estabelecendo, por exemplo, limites
mínimos de distância entre cidades, vilas e povoados, mananciais de água e
agrupamento de animais, que são entre 250 a 500 metros da área que receberá a
aspersão de defensivos, além de condições ideais de velocidade do vento e de
umidade.
Sem limites
No entanto, segundo o relato de Socorro, esses limites não
eram respeitados. Em 2010, as 120 galinhas que ela criava estavam soltas no
quintal quando um avião agrícola passou com o pulverizador ligado. No dia
seguinte, 80 aves morreram. Há também relatos na comunidade de pessoas que
sofreram intoxicações. No entanto, conforme a agricultora, muitas não associam
os sintomas ao contato com defensivos agrícolas pelo fato de trabalharem nas
empresas que utilizam a técnica.
Vulnerável
A professora Raquel Rigotto, do Departamento de Saúde
Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC),
presenciou a prática da pulverização aérea em Limoeiro do Norte em 2007,
durante um trabalho de campo na cidade sobre os impactos da exposição a
agrotóxicos para a saúde. “Inclusive, quem nos avisou foi o Zé Maria. Ele nos
mostrou galinhas mortas no quintal, roupas no varal com cheiro de veneno”,
disse a coordenadora do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas).
“Ficamos muito impressionados com a situação de
vulnerabilidade em que a população se encontrava, porque estavam lá apenas os
funcionários da empresa de aviação agrícola, com um caminhão de caixas de
veneno no campo de pouso da Chapada do Apodi. O avião vinha, abastecia com um
volume elevado de venenos, saía, aspergia aquilo tudo, voltava, fazia de novo e
não tinha nenhuma autoridade pública fiscalizando o procedimento.”
Relatório
A instrução normativa do Ministério da Agricultura exige um
relatório com uma série de informações sobre as atividades de aviação agrícola,
incluindo o nome e a quantidade do produto aplicado, croqui da área tratada e
parâmetros como altura do voo e dados meteorológicos, além da presença de
técnico agropecuário com curso de executor em aviação agrícola, que pode
interromper o voo caso os parâmetros básicos atinjam os limites máximos de
segurança.
E ainda
De acordo com Socorro, as pulverizações aéreas ocorreram com
mais intensidade na comunidade Tomé entre 2004 e 2010. A partir de 2012,
segundo a agricultura, não houve novas aplicações devido à baixa intensidade
das chuvas nas últimas quadras invernosas.
Com informações da Agência Brasil
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