Especialistas discutem que aumento pode estar ligado à redução da procura por cuidados médicos devido ao distanciamento social ou por preocupação de contrair Covid-19.
Por Nícolas Paulino e Bárbara Câmara, G1 CE
Entre os óbitos provocados por causas cardiovasculares sem
esclarecimento no Ceará, mais da metade ocorreu em casa, entre janeiro e
outubro deste ano. Das 1.837 mortes por “causas inespecíficas”, 1.046 ocorreram
no domicílio da vítima, o que representa 57% do total. Essa foi a mesma
porcentagem de aumento entre as causas inespecíficas, que, em igual período de
2019, registraram 1.169 ocorrências no estado. À época, as mortes em casa
representavam 34% do total.
Os dados são da Central Nacional de Informações do Registro
Civil (CRC), disponibilizados pela Associação Nacional dos Registradores de
Pessoas Naturais (Arpen) em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia
(SBC). São levadas em consideração as informações fornecidas por cartórios.
O levantamento aponta que o número geral de mortes por
infarto reduziu 5%, caindo de 2.111 casos para 2.003. Porém, quando se observam
as ocorrências em domicílio, houve um crescimento de 26,7%, passando de 766
para 971, também entre janeiro e outubro.
Pelas causas cardiovasculares inespecíficas, 397 morreram em
casa, em 2019, mas 2020 registrou aumento de 163%: foram 1.046 casos.
Ricardo Pereira Silva, professor de Cardiologia da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e cardiologista do Hospital
Universitário Walter Cantídio (HUWC), pondera que esse cenário já era previsto
desde março porque houve “uma orientação inadequada das autoridades de saúde”
para que os pacientes só procurassem serviços especializados para casos
suspeitos de Covid-19.
“Esqueceram de todas as doenças crônicas que não iam parar
por ter aparecido a Covid. A mortalidade aumentou bastante. Vários pacientes
com sintomas de infarto do miocárdio e AVC deixaram de procurar o
pronto-socorro”, observa. Pereira explica que o coração pode ser sede de várias
doenças, como das válvulas, do músculo cardíaco e cardiopatias congênitas,
embora a maior causa de mortalidade sejam as doenças coronarianas: angina e
infarto.
Segundo Ricardo Pereira, embora as pessoas com doenças
cardiovasculares estejam no grupo de risco para complicações da Covid-19, não
podem deixar de se descuidar. “Portadores de doenças cardíacas, pulmonares e
crônicas, de forma geral, devem se proteger mais, mas não devem se afastar de
seus médicos”, alerta.
“O que a gente observou principalmente durante o pico da
pandemia foi a redução dos pacientes que procuram atendimento cardiológico.
Tanto que houve uma redução de quase 70% nas intervenções coronárias
percutâneas (tratamento da doença da artéria coronária) nesse período. Muitos
desses pacientes, talvez por receio de pegar a doença, por alguma outra
particularidade, tenham optado por permanecer em casa”, confirma Gentil
Barreira de Aguiar Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Secção Ceará (SBC-CE).
“A gente acredita que é importante o paciente manter um
acompanhamento da sua doença de base. Obviamente, quando for a consulta ou for
o caso de procurar uma emergência, ele tem de se cercar de todos os cuidados
preventivos contra a Covid”, reitera.
Alerta
De acordo com o último boletim epidemiológico sobre Covid-19
publicado pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), 6.623 pessoas com doenças
cardiovasculares foram hospitalizadas no estado com quadro de síndrome
respiratória aguda grave por coronavírus, até o dia 19 de outubro. Desse total,
54% eram homens e 46% eram mulheres.
A dor na região do peito ou em cima do esterno – o osso da
região central do tórax – é o principal sinal de alerta para buscar atendimento
médico. Ela pode se irradiar para o braço esquerdo, para a mandíbula, pescoço,
abdômen ou costas, e muitas vezes é desencadeada por esforço, estresse ou
emoção. Falta de ar também deve ser acompanhada com atenção.
Ricardo Pereira enumera que fatores de risco para doenças do
coração incluem ser do sexo masculino, a obesidade, o tabagismo, o colesterol
alto, o diabetes, histórico familiar e a idade. Segundo o levantamento da
Arpen, 80% das mortes por infartos e 74,5% daquelas com causas inespecíficas no
Ceará, em 2020, ocorreram em idosos com 60 anos ou mais.
Cardiopatias também podem acometer pacientes mais jovens.
Neste ano, 67 crianças com menos de nove anos morreram por problemas cardíacos.
Apenas uma delas foi por infarto, uma condição rara para a idade, segundo o
médico. “Quando acontece uma morte nessa idade, é de forma congênita, porque
ela já nasce com alguma má formação”, explica.
Atendimento
Em nota, o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart
Gomes (HM), da rede estadual do Ceará, informou que o serviço de emergência foi
mantido e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. “Há fluxos
diferenciados para o atendimento dos pacientes com suspeitas de Covid-19 e dos
pacientes com queixas cardíacas e pulmonares, perfil da unidade. As cirurgias
de emergência também foram mantidas”, garante.
A unidade de referência reforçou que os atendimentos
ambulatoriais, as cirurgias eletivas e os transplantes, suspensos durante a
pandemia, “já foram retomados”. Os agendamentos são feitos na própria unidade
ou através da Central de Regulação do estado.
O médico Ricardo Pereira destaca a necessidade de se manter
hábitos de vida saudáveis, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia. “É
de fundamental importância para a profilaxia da doença coronariana a aquisição
de bons hábitos que incluem o peso ideal, uma alimentação adequada baseada em
frutas e verduras, exercício físico sistemático e práticas para diminuir o
estresse”, recomenda.