Algumas unidades chegaram a ser inauguradas, mas nunca
funcionaram, segundo o Ministério da Saúde.
Por Theyse Viana, Maristela Gláucia, Antônio Rodrigues e
Alex Pimentel, G1 CE
Milhões em dinheiro público investidos – R$ 12.250.000, mais
precisamente – e nenhum retorno à população. Pelo menos oito Unidades de Pronto
Atendimento (UPAs) estão prontas e sem funcionar no Ceará, de acordo com o
Ministério da Saúde (MS), uma delas desde 2013. Falta de financiamento para
manutenção e burocracias com o Governo Federal são as principais justificativas
dos gestores municipais para a ausência de atividades nos locais.
Conforme o Ministério da Saúde, o Ceará “tem nove UPAs 24h
já com atestado de conclusão emitido: nos municípios de Acaraú, Barbalha, Boa
Viagem, Cascavel, Juazeiro do Norte, Morada Nova, Quixeramobim, Sobral e
Tianguá”. As unidades, diz a pasta, seguem aguardando “contratação de pessoal e
aquisição dos equipamentos para funcionamento”. O Ministério garante que “já
foram habilitadas e estão com os repasses de incentivo financeiro de
investimento efetuados”.
A UPA de Sobral, mencionada pelo Ministério da Saúde como
inativa, “está funcionando normalmente” desde que foi inaugurada, no início
deste mês, conforme a prefeitura da cidade.
A situação em cada cidade
Acaraú: no litoral norte do Ceará, o prédio em que deveria
funcionar uma unidade de saúde consta como concluído desde 2016, mas está
fechado, sem nenhum equipamento e em deterioração pelo desuso.
Barbalha: o prefeito Argemiro Sampaio afirmou que não há
demanda para um equipamento do porte da UPA no município e que o local seria
uma policlínica municipal. O que nunca aconteceu. Moradores informaram que a
UPA chegou a ser inaugurada, mas nunca funcionou, e materiais foram roubados do
local. Segundo a secretária de Saúde, Pollyanna Callou, não existe prazo para o
uso da estrutura.
Boa Viagem: o prédio pronto e fechado será utilizado como
Unidade Básica de Saúde (UBS) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Para
isso, de acordo com o secretário de Saúde, Williams Vaz, o município aguarda
autorização federal.
Cascavel: a prefeitura confirma a existência de uma UPA
entregue e inativa desde 2012. Em nota, a gestão informou que o Governo do
Estado vai doar todos os equipamentos necessários ao funcionamento da unidade,
que passa por “obras de reparo necessárias por conta do período que ficou
parada”. As verbas para custeio, afirma a nota, “deverão ser obtidas por
emendas parlamentares que também estão sendo viabilizadas”.
Juazeiro do Norte: o prédio que seria destinado à unidade
foi concluído, mas nunca aberto. Mato e infiltrações ocupam as áreas externa e
interna do equipamento, e itens da estrutura chegaram a ser roubados. De acordo
com a Secretaria de Saúde do município, uma auditoria feita ano passado
identificou vários itens incompatíveis com o projeto e, por isso, a pasta,
protocolou uma Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa contra
as empresas que executaram a obra.
Morada Nova: conforme a secretária de Saúde, Luciana de
Almeida Lima, a UPA deverá começar a funcionar após o atendimento das
adequações físicas exigidas pelo Ministério da Saúde. Os serviços deverão ser
concluídos ainda neste semestre e, segundo a titular, equipamentos clínicos e
mobília estão assegurados pelo Governo do Estado.
Quixeramobim: a UPA está pronta e fechada desde 2016. Os
móveis e ferramentas médicas, orçados em R$ 2 milhões, serão fornecidos pelo
Estado. A Secretaria de Saúde do Município informou estar em processo de
planejamento para ativar a unidade, o que deve ocorrer no primeiro semestre de
2020.
Tianguá: a estrutura da UPA começou a ser construída em
novembro de 2013. O prazo de entrega era 180 dias. Mas há quase seis anos a
população espera pelos serviços de saúde. De acordo com o prefeito Jaydson
Aguiar, as conversas com o Governo Estadual e a União para inaugurar a UPA
estão avançadas. Segundo ele, na semana passada chegaram imóveis para equipar a
unidade. A promessa é inaugurar até o final de 2019.
Readequação
A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) afirmou, em nota, que
envia o custeio mensal de R$ 85 mil a R$ 250 mil a todas as 36 UPAs ativas no
Ceará, “a depender do porte”. Mas como o projeto de construção é tocado pelos
governos Federal e Municipal, a pasta estadual só assume o dever de repasse a
partir da inauguração.
Em maio de 2018, o Governo Federal autorizou estados e
municípios a utilizarem a estrutura das UPAs inativas em outra finalidade na
área da saúde (como para UBS e CAPS), a fim de que não perdessem as estruturas
já erguidas. Mas, segundo a pasta, nenhum município cearense solicitou a
readequação. O prazo para solicitação era junho deste ano, e foi prorrogado
para novembro.
Caso não se manifestem, as prefeituras podem ser obrigadas a
devolver o dinheiro gasto pelo Governo Federal nas obras. “O Ministério da
Saúde pode aplicar os dispositivos previstos em portaria para as situações de
irregularidades, como medidas de cancelamento das propostas e devolução do
recurso do incentivo repassado”.
A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde
do Ceará (Cosems), Sayonara Cidade, confirma que o órgão tem conhecimento de
todas as unidades prontas e fechadas, mas afirma que “todos os municípios
citados já solicitaram autorização para utilizar as UPAs para outra
finalidade”.
“O Ministério sinalizou que não teria recursos para todos os
equipamentos finalizados, então autorizou a readequação. Alguns prefeitos
chegaram a manter UPAs por um ano com recursos próprios, do tesouro municipal,
com ajuda do Estado, mas isso é muito oneroso”, declara Sayonara.
Conforme a presidente do conselho, a justificativa para a
construção de UPAs em municípios que não conseguem mantê-las é mau
planejamento. “Sempre entendemos que existe uma contradição muito grande,
porque as UPAs concorriam com hospitais de urgência e emergência. Acredito que
o Governo Federal liberou unidades acima do que estava orçado. Os municípios
receberam dinheiro para construção, mas não para custeio. Não vindo esse
recurso, é impossível manter”, afirma.
Em nota, o Ministério da Saúde informa que “deliberações
locais das propostas de Readequação da Rede Física do SUS antecedem a formalização
junto à Pasta federal, podendo, portanto, existirem processos em construção nos
municípios para posterior formalização junto ao Ministério da Saúde”. O órgão
reforça, ainda, que “tem feito os esforços necessários para colocar as unidades
de saúde em funcionamento”.
Contexto
Em todo o país, de acordo com o Ministério da Saúde, mais de
130 Unidades de Pronto Atendimento estão com atestado de conclusão emitido, mas
sem funcionar. Os gestores podem solicitar readequação até novembro.
No Ceará, somados os valores investidos na construção das
oito UPAs prontas e fechadas, o montante por enquanto desperdiçado é R$ 12,2
milhões, segundo o Ministério da Saúde.
O estado tem 36 UPAs em funcionamento, segundo a Secretaria
da Saúde, das quais 12 são em Fortaleza e 24 na Região Metropolitana e no
interior. Do total, 24 foram construídas e postas em funcionamento pelo Governo
do Estado, seis delas em Fortaleza e mais 18 na Região Metropolitana e outros
municípios interioranos.