Espero que esta lhe encontre passando bem, ou melhor,
passando o mais devagar possível. Por aqui vai-se indo, como o Senhor quer e
consente, meio rápido demais para o meu gosto e, quando menos se espera,
novamente dezembro.
Vai-se mais um ano.
E com ele, uma quantidade incalculável de amores, cores,
idades, alguns amigos, não sei quantos neurônios, memórias, remorsos,
desvarios, cabelos, ilusões, alegrias, tristezas, várias certezas (se não me engano, treze)
Foi-se a poupança. O troquinho da gaveta. Foi-se aquele
antigo projeto. Foram-se exatamente nove vírgula seis por cento de todas as
minhas esperanças.
Será que o Senhor não se cansa, seu Tempo? Não pensa em
tirar umas férias, dar uma pausa, respirar um pouco? Não lhe agrada a idéia de
mudar o andamento? Diminuir o ritmo?
Em vez de tique-taque, inventar uma palavra mais comprida
para compasso, mantra, ícone, diagrama?
Me diz sinceramente: para que tanta pressa? Anda difícil
acompanhar seus passos ultimamente. Não precisa dar meia-volta, eu não espero
tanto. Eternidade? Não.
Só queria sua amizade. Mas já é quase dezembro. Vai-se mais
um ano. E o senhor passou voando,
rebocou os meus momentos, foi desbotando minhas lembranças, carregou mais dez
meses inteiros levando cada instante meu de carona.
Tentei voltar atrás em algumas decisões. Já era tarde.
Não deixei nada para amanhã. Mesmo assim, não fiz sequer
metade do que pretendia. Imaginei várias maneiras de estancar os dias, segunda,
terça, quarta, quando via já era quinta. Sexta. Sábado. Domingo.
Pronto.
Pensei em fuga. Será que existe algum lugar deste mundo onde
as horas não me encontrem? Fiquei meses trancado em casa. Foi inútil. Lá fora, o Senhor continua
passando.
E já passou mais um pouquinho.
Calma, Tempo! Espera só um minutinho para eu explicar melhor
meu ponto de vista. Nem todo mundo é pedra, concorda? Dito isso, imagine
quantos pobres mortais sofrem da mesma agonia diária: giros e mais giros nos
ponteiros, os cantos dos cucos, as denúncias das sombras, os grãos de areia
escorrendo (parece até hemorragia crônica), tudo escapulindo, descendo,
subindo, o frenesi dos dígitos, um, dois, três, quatro, cinco, cem, o Senhor
vai tirar o pai da forca? Está fugindo de alguém?
De quem? De mim? De ontem?
Eu conheço de cor suas obrigações. Estou convencido de suas
utilidades. Não fosse o Senhor, não existiria saudade, retrato, souvenir,
Antigüidade, história, época, período, calendário, outrora, passatempo,
novidade, creme anti-rugas, disputa por pênaltis, antepassado, descendente,
dia, noite, nada, não existiria sabedoria, eu sei disso. Não tome como queixas minhas palavras, por
favor não tome.
Aqui vai apenas uma súplica.
Ah, se o Senhor fosse mais indulgente, mais piedoso, mais
pensativo, se fosse baiano, menos estressado, mais manso, menos rigoroso, um
bon vivant, e se distraísse aí pelo caminho, e se deixasse apreciar as
paisagens, e sofresse um devaneio, e ficasse de bobeira, esquecido das horas, divagando.
Escute aqui, seu Tempo, que tal deixar passar o resto e
parar quieto um pouco?
Bom dia!!
Do livro O Doido da Garrafa
www.rivalcir.com.br
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