O laboratório de robótica na escola surgiu em 2016. Com o
resto do material descartado na produção dos robôs e protótipos, os alunos
perceberam que poderiam aprimorar também o conhecimento e a produção de artes.
Por Samuel Pinusa, G1 CE
Alunos da Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Dom
Hélder Câmara (DHC), no Bairro Quintino Cunha, em Fortaleza, estão dando
exemplo de como “reaproveitar o reutilizado”. Um laboratório de artes surgiu
dentro do espaço que era dedicado apenas à ciência, onde os estudantes
trabalham robótica com materiais recicláveis descartados pela comunidade ao
redor da instituição. Hoje, o papelão, o plástico, a madeira que viravam robôs
e protótipos viram quadros e esculturas.
O projeto, batizado de “Arte Sustentável”, dá espaço para
que alunos aprimorem o conhecimento artístico, criando peças e produtos que
servem de decoração para a escola — mas eles também sorteiam algumas peças à
comunidade através de redes sociais. O “laboratório de artes” se consolidou em
2018 e alguns produtos criados já fizeram parte de uma exposição em um grande
shopping de Fortaleza.
“Eles (os alunos) observaram que mesmo depois da produção do
material da robótica, ainda havia muita sobra, principalmente de papelão, de
madeira, algumas peças grandes de carcaça de computador, impressoras. Aí o
professor André, junto com os meninos, tiveram a ideia de reaproveitar as
sobras”, explica o diretor da escola, David Pereira.
“Alguns alunos começaram a pegar os materiais e trabalhá-los
de forma artística. Pegaram chapas de metais e pintavam, escreviam, desenhavam;
pegaram papelão e começaram a fazer quadros. Vendo esse potencial, eu comecei a
investir na parte artística”, complementa o professor André Cardoso, que está à
frente do laboratório de artes e de ciências.
Algumas obras que eles produziram com o material descartado
— Foto: JL Rosa Algumas obras que eles produziram com o material descartado —
Foto: JL Rosa
Algumas obras que eles produziram com o material descartado
— Foto: JL Rosa
Os alunos participam desse projeto no contraturno das aulas.
Essa estratégia serve para complementar o ensino artístico trabalhado em sala
de aula, resumido a apenas 50 minutos semanais. “A gente trabalha com diversas
técnicas artísticas: sombreamento, sobreposição, figurativa, entre outras”,
complementa André.
Dificuldade no ensino
Ainda há bastante o que se progredir na educação como um
todo, mas o caminho para disciplinas como artes é ainda mais conturbado, de
acordo com Gerardo Viana, doutor em Educação Brasileira e coordenador do curso
de Música da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“A arte acaba tendo um espaço muito pequeno porque as
pessoas acham que não é muito importante, que não é útil, ou não enxergam essa
questão da formação como uma possibilidade da arte contribuir com outras
disciplinas. Elas tem que entender que através da arte, a pessoa pode
desenvolver outras habilidades, como memória, capacidade de raciocínio,
abstração que são extremamente úteis em outras áreas”, comenta o docente.
A matéria de artes “no ensino médio, propicia a formação
estética e o desenvolvimento cultural, por meio das diversas linguagens: artes
visuais, cênicas, música, dança e outros, contribuindo para a construção de
conhecimentos, de expressão e comunicação”, elucida a Secretaria de Educação do
Ceará (Seduc).
“O programa pedagógico da disciplina de artes é elaborado a
partir de uma Proposta de Organização curricular para o Ensino Médio do Estado
do Ceará, pautada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM)
e cada escola define o que vai estudar. De acordo com a legislação nacional
vigente, a disciplina de artes é obrigatória, mas não ficou determinada a carga
horária”, complementa a Secretaria. Atualmente, o Ceará possui 522 professores
efetivos lotados em artes para suprir as demandas de 725 escolas.
Iane Nobre, coordenadora de gestão pedagógica da da Seduc,
explica que os professores podem dar aulas em mais de uma escola, para
compensar a discrepância entre a quantidade de profissionais e de instituições.
“Eles são contratados pela carga horária. Quando um
professor entra como efetivo, ele trabalha 40 horas semanais. Desse total, um
terço, que corresponde a 13 horas, é de ‘hora-atividade’ que é o que a gente
chama de planejamento. As outras 27 horas, eles têm que estar em sala de aula”.
Atualmente, uma ‘hora-aula’ corresponde a 50 minutos.
“Você não consegue criar um vínculo com a turma. Imagine um
professor que trabalha com 20 turmas ou 30 turmas por semana, cada uma com 30
alunos. É um total de 600 a 900 alunos que o professor tem contato em uma
semana. Como você consegue, em um espaço de 50 minutos, criar um vínculo com
uma quantidade tão grande de estudantes?”, questiona Gerardo Viana.
O doutor em educação ainda comenta que outro problema é que
as pessoas ainda ligam a educação à uma visão “muito utilitarista”. “Pensa-se
muito a educação como apenas uma maneira de conseguir uma formação
profissional, um emprego. Não que isso não seja importante, pelo contrário, é
muito importante. Mas a gente deve entender que a educação deve preparar as
pessoas para viver em sociedade”, complementa Gerardo.