Infectologista afirma que não se trata de uma nova infecção
pelo coronavírus. No Ceará, mais de 95 mil pessoas já foram recuperadas da
doença
Por Theyse Viana e Lívia Carvalho, G1 CE
Até dois meses após contraírem o novo coronavírus, pacientes
continuam apresentando sintomas ou voltam a ter manifestações da Covid-19 no
Ceará. Infectologistas ainda estudam se há possibilidade transmissão da doença
da doença por pessoas recuperadas, mas que não seria uma reinfecção do
coronavírus.
A infectologista Melissa Medeiros, que atua no Hospital São
José de Doenças Infecciosas (HSJ) e coordena o Ambulatório de Infectologia do
Hospital Geral de Fortaleza (HGF), ambos em Fortaleza, afirma que não se trata
de uma nova infecção pelo coronavírus, mas sim de processos inflamatórios
causados por resquícios do micro-organismo que podem permanecer em órgãos como
o pulmão, por exemplo, devido ao fato de não existir nenhum antiviral efetivo
contra o Sars-CoV-2 até o momento.
Ela acompanha casos de pacientes com sintomas persistentes,
e explica que “quem tem sintomas leves demais pode persistir com vírus ou
restos virais por mais tempo, o que pode gerar um processo de inflamação mais
crônica”. Ela compara a situação ao que aconteceu com a chikungunya, quando
pessoas acometidas pela arbovirose continuaram sentindo fortes dores nas
articulações.
No Ceará, mais de 95 mil pessoas já foram recuperadas da
doença, considerando apenas quem foi hospitalizado, conforme dados do Integra
SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa). Apesar disso, mesmo após superarem os
quadros médios ou graves da doença, cerca de quatro a cada dez pacientes veem reacender
a preocupação com a infecção.
Sintomas
A atendente de clínica de fisioterapia Keila de Lima, 39,
ainda sente os efeitos do vírus, pouco mais de um mês após testar positivo para
o Sars-CoV-2. Em maio, ao manifestar sintomas, ela recorreu a uma consulta
médica e realizou o exame para constatar a doença. Já em julho, o cansaço e a
tosse ainda são persistentes.
“Comecei sentindo dor de cabeça, tive três dias de febre
muito alta, suando muito, além de diarreia e vômitos. Logo procurei um médico,
que me recomendou fazer o exame”, relembra. Para o diagnóstico, Keila fez o
teste RT-PCR, que coleta amostras de secreção nasal, um dos mais indicados para
realização durante o período ativo do vírus.
A atendente permaneceu em quarentena por 15 dias, tratada com
medicamentos prescritos pelo médico. Depois, retornou ao trabalho normalmente.
O problema é que, ainda hoje, convive com os sintomas da doença.
“Não tenho a disposição que tinha antes, me canso muito
rápido. Atividades básicas, como varrer a casa e passar pano, não consigo mais
fazer como fazia antes. A tosse aparece só em alguns momentos, quando ando
muito e canso, aí começo a tossir”, lamenta.
Manifestações
Conforme boletim epidemiológico mais recente da Secretaria
da Saúde do Ceará (Sesa), divulgado em 1º de julho, mais de sete a cada dez
(75,5%) pacientes hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)
no Estado apresentaram falta de ar como sintoma mais forte. Outras das
principais manifestações apresentadas por pessoas infectadas pelo novo
coronavírus são febre (74,4%), tosse (74,4%), desconforto respiratório (52,2%)
e queda da saturação de oxigênio (50,9%).
Uma característica que não aparece nos números, mesmo sendo
bastante frequente, é a perda temporária do olfato e do paladar – problema que
afetou e ainda deixa sequela no designer Kevin Maciel, 24, dois meses depois do
aparecimento dos sintomas. O jovem nunca foi testado para a doença, mas
provavelmente aumentaria em um dígito os 1.610 casos confirmados até o domingo
(5) no município de Maranguape, onde mora, na Região Metropolitana de
Fortaleza.
“Tive tosse seca, febre e perda total de olfato e paladar,
além das dores leves no corpo. Comecei a sentir na última semana de abril. Acho
que realmente foi o coronavírus, porque tive sintomas bem típicos. E eu nunca
tinha perdido olfato e paladar, foi uma sensação bem estranha. Mesmo dois meses
depois, ainda tenho tosse seca, de vez em quando, e a falta de olfato, que
sinto ainda não ter recuperado 100%”, descreve.
‘Reteste’ positivo
Keny Colares, também infectologista do HSJ, confirma que
“cerca de 40% dos indivíduos continuam tendo sintomas por períodos bem
prolongados, principalmente no pulmão, no período que se segue à fase aguda” da
doença, mas afirma que “pelo fato de essa ‘realidade pós-Covid’ ser muito nova,
ainda é uma grande interrogação”.
O médico aponta que “outra questão é que pessoas cujos
exames deram negativo, no momento da alta hospitalar, voltam, lá na frente, a
testar positivo. Precisamos entender se isso é falha dos testes ou se o vírus
se reativa”.
De acordo com o infectologista, ainda não é possível afirmar
se um paciente pode contrair o novo coronavírus pela segunda vez nem se alguém
que volta a apresentar sintomas é capaz de transmitir a doença a outras
pessoas. “Alguns casos estão sendo discutidos em Fortaleza, a Sesa já
reconheceu que existem. Um comitê está trabalhando nessas questões e deve
divulgar orientações oficiais.”
“Existem cenários ainda não investigados. Por isso que a
orientação é que mesmo quem já teve a doença continue tomando as mesmas medidas
que todos, porque não sabemos até que ponto ela pode retornar”, alerta Keny
Colares.
Acompanhamento
A médica Melissa Medeiros reitera que o acompanhamento
clínico dos casos é importante para avaliar a possibilidade de infecção de
outras pessoas, já que ainda não se tem conhecimento sobre quanto tempo o vírus
é capaz de sobreviver e de infectar quando continua aparecendo positivo nos testes.
“Quando o PCR dá positivo, não necessariamente quer dizer
que os vírus continuam se multiplicando e infectando outras pessoas. O que pode
acontecer é ele persistir por mais tempo, e a gente só saberia disso se
coletasse o PCR e fizesse uma cultura in vitro das células, para descobrir se
continuam se multiplicando ou se são apenas restos virais”, sugere.
Diante da persistência dos sintomas, Melissa afirma que é
feito um acompanhamento médico e que o recomendado é refazer os exames. Já o
infectologista Keny Colares reconhece que o cenário no Brasil e no Ceará é mais
complicado.
“A utilização desses testes para fazer acompanhamento de PCR
entre nós não é tão farta como em outros países. Não temos condições de ficar
fazendo teste de todo mundo o tempo todo, para verificar as mudanças de
resultado. Por isso, recomendamos que as medidas de prevenção sejam mantidas”,
finaliza.
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