O novo coronavírus já vitimou mais de 8 mil pessoas em menos
de seis meses. Entre 2009 e 2019, a Aids matou quase 3,5 mil pessoas.
Por Rodrigo Rodrigues
O Brasil já ultrapassou a marca de 100 mil mortes pela
Covid-19. No Ceará, já são mais de 8 mil óbitos em decorrência da doença,
segundo a Secretaria da Saúde (Sesa) do Estado. Nesta quarta-feira (11), o
Ceará chegou aos 150 dias desde o início oficial da pandemia, em 15 de março,
com inúmeros sentimentos e histórias que ficarão guardadas. Em outros momentos,
o estado vivenciou emergências sanitárias, mas nenhuma vitimou tantas pessoas e
em tão pouco tempo quanto a Covid-19.
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), causada
pelo vírus HIV, vitimou, nos 10 últimos anos (2009 - 2019), um total de 3.440
pessoas. O número, apesar de expressivo, é 123% menor do que o deixado pelo
novo coronavírus em 150 dias. Até esta terça-feira (11), já foram 8.043 óbitos
confirmados e 191.540 mil diagnósticos positivos da Covid-19, de acordo com o
boletim do IntegraSUS da Sesa.
Ceará já soma mais de 8 mil óbitos por Covid-19 — Foto:
Paulo Alberto/SVM
Ceará já soma mais de 8 mil óbitos por Covid-19 — Foto:
Paulo Alberto/SVM
A articuladora do Grupo de Trabalho de IST/Aids da Sesa,
Telma Martins, aponta que a experiência adquirida em momentos de emergência em
saúde no Ceará está contribuindo no combate ao novo coronavírus. “Inclusive,
alguns medicamentos usados para o tratamento da Aids têm sido testados contra a
Covid-19, com melhora na saúde das pessoas acometidas e redução nos óbitos.
Tudo que a gente aprendeu com o tratamento do HIV e demais viroses tem nos
ajudado no combate ao novo coronavírus”, afirma.
Apesar disso, a especialista ressalta que há diferenças na
gravidade entre as doenças. Por ter transmissão respiratória, o novo
coronavírus possui um potencial mais devastador em comparação às outras
viroses. “O vírus ainda é desconhecido, mas sabe-se que é mais agressivo porque
compromete, em pouco tempo, todo o organismo, atingindo outros órgãos vitais além
dos pulmões. Por isso, pode levar ao óbito mais facilmente”, ressalta.
HIV no Ceará
No primeiro semestre deste ano, o Ceará registrou 493 casos
positivos para o HIV em adultos - sendo 94 em gestantes. Em igual período do
ano passado, foram 938 registros - 156 em gestantes. A Sesa foi questionada,
mas não informou quantos destes evoluíram para óbitos no respectivo período.
Em todo o ano de 2019, no entanto, o Ceará somou 226 mortes
pelo HIV, confirma Martins. “Nos últimos 10 anos, tivemos de 300 a 350 óbitos
por ano. A gente observa um decréscimo, o que significa que o diagnóstico está
sendo feito de forma precoce, mas ainda precisamos reduzir mais”.
Segundo o último boletim da Sesa, de 2019, o pico de óbitos
causado pela Aids em uma década aconteceu em 2015, com 398 mortes. Em 2016 e
2017, o estado somou 367 e 358 óbitos, respectivamente. Os três anos, juntos,
no entanto somam oito vezes menos mortes que a Covid-19 em quase seis meses.
Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretarias
Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), aponta que, “a medida que os estudos vão
sendo feitos, vamos descobrindo soluções para esta situação (pandemia). Neste
momento, nós não temos nenhum tratamento, infelizmente”, aponta.
“Só podemos falar de controle total com uma vacina, o que só
acredito para o próximo ano. Também não temos nada, ainda, em relação a
medicamentos”.
A representante explica que a descoberta de medicamentos e
vacinas em massa acontece mediante tempo e evolução de estudos.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) distribui, desde
1996, todos os medicamentos antirretrovirais para tratamento do HIV. Em 2013, o
SUS passou a garantir, também, o tratamento para todas as pessoas vivendo com
HIV. “Mesmo a transmissão sendo diferente, a Aids era uma condenação: você está
com Aids e vai morrer. Hoje, é completamente diferente. É importante está
comparando (a Covid-19) com uma doença que tinha zero por cento de chance de
cura”.
Cuidados redobrados
A professora de doenças infecciosas da Universidade Federal
do Ceará (UFC), Mônica Façanha, explica que, caso o paciente com HIV esteja com
CD4 (células do sistema imunológico e principal alvo do vírus) baixo, o que
acontece com a evolução da patologia e falta do tratamento, o quadro da
Covid-19 pode ser agravado.
“É muito importante que o paciente com HIV não deixe de
tomar o medicamento. O vírus aumenta o risco de ter doenças graves. Se ele é
suspenso, o HIV se multiplica e pode evitar as defesas do organismo”.
Segundo ela, o ideal é que o paciente não fique um dia sem
tomar a medicação, que inibe a replicação viral. “Caso a pessoa fique
suspendendo e voltando, há também o risco do vírus ficar resistente ao esquema
de tratamento”.
Em março deste ano, por conta da pandemia, o governo do
estado publicou portaria estendendo a validade de prescrições médicas por até
12 meses. Em Juazeiro do Norte, no Cariri, Maria Zilma Ferreira, 62, que
convive com o vírus há 22 anos, relata que até consegue os medicamentos para
continuar o tratamento, mas está com dificuldades em conseguir consultas de
rotina. “Só temos um médico e a demanda aumentou muito. Estou há dois meses sem
conseguir”, lamenta.
No caso de Zilma, a carga viral é baixa por conta do
tratamento, realizado no Centro de Infectologia de Juazeiro do Norte. Mãe de
dois filhos, hipertensa e diabética, a idosa ainda desenvolveu síndrome do
pânico e ansiedade durante o isolamento social. “Vou iniciar, nesta semana,
consultas com uma psicóloga. Está sendo um momento muito difícil. Hoje, passei
a morar com meu filho, que estava no Paraguai para estudar. Ele voltou para
tomar conta de mim”, lembra.
Ela coordena a Pastoral da Aids em Juazeiro do Norte, que
conta com cerca de 30 membros ativos, e preside a Associação de Luta contra a
Aids no município.
O G1 tentou contato com a Prefeitura de Juazeiro do Norte
questionando a situação das consultas com infectologista durante a pandemia,
mas não houve retorno até a última atualização desta matéria.
Histórico de outras doenças no Ceará (Sesa):
Doenças associadas à hepatite: 471 óbitos, entre 2017 e
junho de 2020;
Leishmaniose Visceral (calazar): 414 óbitos, entre 2007 e
outubro de 2019;
Pico da Chikungunya no Estado: Mais de 170 pessoas óbitos
(2017) - 36 em 2016.
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