Conflito entre facções, pandemia e greve de policiais
militares foram os fatores que geraram forte aumento da violência no estado,
avaliam Secretaria da Segurança e especialistas em segurança.
Por Messias Borges, G1 CE
O Ceará sofreu um forte aumento da violência no primeiro
semestre de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado. O número de
assassinatos cresceu em 102,3%, de 1.106 assassinatos de janeiro a junho de
2019 para 2.245 em 2020, conforme dados oficiais da Secretaria da Segurança
Pública.
O aumento é o maior do país, conforme o Monitor da
Violência, levantamento exclusivo do G1 com dados de secretarias da Segurança
de todos os estados e Distrito Federal. O estado com a segunda maior alta na
violência, o Maranhão, teve um crescimento de 21,1%.
O G1 ouviu a Secretaria da Segurança e estudiosos na área,
que apontam os seguintes fatores para a escalada da violência:
conflito entre facções criminosas que disputam território de
tráfico de drogas;
deslocamento de policiais para funções sanitárias durante a
pandemia de Covid-19 e a licença médica de muitos militares afetados pela
doença;
greve de parte dos policiais militares do estado em
fevereiro.
Fevereiro, quando parte dos policiais parou as atividades
reivindicando melhorias salariais, foi o mês de maior crescimento nos
homicídios no ano (179,8%), quando saltou de 164 em 2019 para 459 mortes.
Os policiais pararam os trabalhos ostensivos em Fortaleza e
interior do estado por 13 dias. Dezenas de carros policiais tiveram os pneus
furados pelos militares amotinados, para que eles não fossem utilizados. A
greve foi encerrada sem que a categoria obtivesse a anistia, principal
reivindicação para encerrar a paralisação.
O número de homicídios disparou durante esse período, e o
Estado solicitou ajuda das Forças Armadas e Força Nacional de Segurança para
combater a criminalidade. Para a Secretaria da Segurança, o motim impactou no
trabalho das Forças de Segurança do Estado e foi um dos principais motivos para
o aumento dos crimes letais.
Em fevereiro, quando policiais entraram em greve no Ceará,
Exército utilizou blindados para fazer patrulha nas ruas de Fortaleza
'Dinâmica' das facções
Para José Raimundo, pesquisador de Segurança Pública e
professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a dinâmica das facções
criminosas é o fator determinante para o aumento ou a queda de homicídios no
Estado, e não a greve dos policiais, como afirma o Governo do Estado.
"O que acontece no Ceará desde 2016 é que a Segurança
Pública vai a reboque das escolhas e estratégias das facções. Quando deveria
ser o contrário."
"A gestão continua achando que a criminalidade no Ceará
é a criminalidade 'romântica' da década de 1990, determinada por desigualdade
de renda e pobreza. Isso já era. O Ceará passou a ser o paraíso, onde todas as
gangues do Brasil vieram para cá. O eixo de exportação de droga mudou o Ceará.
O Ceará é uma excelente localização. É a menor distância para a África. E
exporta também para a Europa e os Estados Unidos", explica o pesquisador.
Efeitos da pandemia
Mais de dois mil policiais foram afastados das funções no
Ceará por apresentarem
Já o coordenador do Laboratório de Estudo da Violência
(LEV), da Universidade Federal do Ceará, sociólogo César Barreira, acredita que
o Estado passa por um "período atípico", marcado pelo motim dos
policiais militares, em fevereiro, e pela pandemia do novo coronavírus, a
partir de março.
"A pandemia reconfigurou a dinâmica do crime no Estado
do Ceará. Os profissionais da Segurança Pública foram afetados pelo vírus ou
foram deslocados para outras atividades (sanitárias). Isso deixou o mundo da
criminalidade mais à vontade para fazer ações", destaca.
"A gente teve uma volta mais efetiva da disputa por
território. O comércio de drogas foi afetado também pela pandemia. Esse
comércio sendo afetado, eles buscam novas alternativas, e uma delas foi a
disputa por territórios. Isso tudo levou ao aumento nas taxas de
homicídios", completa Barreira.
Até maio, período mais grave da pandemia de coronavírus no
Ceará, mais de dois mil policiais foram afastados por apresentarem sintomas da
Covid-19.
Crescimento desacelera em julho
Secretaria da Segurança afirma que crescimento dos
homicídios desacelerou em julho
A Secretaria da Segurança Pública do Ceará ressaltou que o
mês de julho último terminou com o menor número de homicídios no Ceará desde
fevereiro deste ano: 295 crimes letais.
"O resultado de julho demonstra que o Estado vem
reorganizando suas atuações de mês a mês, após o trabalho das forças de
segurança ser impactado pelo motim de parte de policiais militares em
fevereiro, além da tendência nacional de aumento nos crimes contra a
vida", afirma a pasta.
Em 2019, o Ceará foi o estado que mais reduziu o número de
homicídios, de 4.518 em 2018 para 2.257 no ano seguinte, uma queda de 50%. A
Secretaria da Segurança destaca, no entanto, que apesar do aumento de janeiro a
julho, a violência apresenta índices menores que no período de 2017 e 2018.
"É importante destacar que 2020 possui um acumulado
menor do que os anos de 2017 e 2018. Ou seja, nos sete primeiros meses de 2020,
houve uma retração de 8,4% em comparação ao mesmo período de 2017; indo de
2.773 para 2.540; e uma redução de 7,9% se comparado a 2018, indo de 2.758 para
2.540", justifica.
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