Prefeito 'recordista' do estado responde a 12 processos.
Por Verônica Prado, G1 CE
Mais da metade dos prefeitos do Ceará respondem a processos
na Justiça por ações de improbidade administrativa. Um levantamento G1 mostra
que 96 dos 184 gestores respondem por esse tipo de ação. O recordista é o
prefeito Raimundo Marcelo Arcanjo, de Santana do Acaraú, que responde a 12
processos em menos de três anos de mandato. Juntos, os prefeitos são alvos de
246 processos na Justiça por Improbidade Administrativa.
Em Santa Quitéria, o prefeito Tomás Antônio Albuquerque de
Paula Pessoa autorizou a construção de um parque de vaquejada particular com a
utilização de servidores públicos e de máquinas pertencentes ao município.
À Câmara Municipal o prefeito reconheceu a realização do
serviço porque, de acordo com ele, esta prática era algo “natural”, que já
tinha sido adotada em outros empreendimentos particulares da cidade. A obra foi
descoberta por registros feitos por um drone, que captou a construção e apontou
uma pavimentação de via em área rural.
O promotor de Justiça Dérick Funck, responsável pela ação de
Santa Quitéria, requereu a condenação por dano moral coletivo no valor de R$
500 mil, bem como o afastamento do cargo. Entre as irregularidades apontadas
pelo Ministério Público, estão:
infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF);
contratação indevida de máquinas com licitação fraudulenta;
contratação de escritório de advocacia com ligação pessoal
ao gestor e licitação direcionada;
sucateamento e fraude no fornecimento do transporte escolar.
O G1 tentou ouvir o presidente da Associação dos Municípios
do Estado do Ceará (Aprece), Francisco Nilson Alves Diniz, e os prefeitos
citados para comentar o assunto, mas os gestores não responderam ao pedido de
entrevista.
'Cultura da corrupção'
Para o promotor de Justiça Élder Ximenes Filho, coordenador
do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade
Administrativa (CAODPP), três fatores influenciam no número de gestores
cearenses que respondem a esse tipo de ação: educação ética do brasileiro, de
um modo geral; a complexidade da legislação e a má formação dos gestores em
administração pública. Além, claro, de uma cultura de corrupção.
"Nós viemos de uma tradição cartorial e burocrática
herdada de Portugal, onde o público muitas vezes se confunde com o privado.
Além do mais, temos uma cultura de corrupção, onde o cidadão só reconhece
quando a corrupção é dos outros, mas suborna agentes públicos, vende votos,
estaciona em vaga privativa, comete fraudes. Temos o projeto de 'Educação e
Cidadania contra a Corrupção' voltado para crianças pois, só assim, é possível
acabar com essa cultura", afirma Élder Ximenes.
Conforme o promotor de Justiça Ricardo Rocha,
"independentemente do processo criminal, a morosidade e burocracia no
processamento dessas ações acabam por provocar a prescrição dos atos de
improbidade administrativa e dos crimes, resultando em impunidade e incentivo à
prática desses atos".
Falta de estrutura
"Falta perna ao Ministério público. A estrutura de
servidores e equipamentos também é muito aquém do que é necessário. Falta,
principalmente, um Departamento de Análise e Perícias que possa auxiliar na análise
de documentos, especialmente os de cunho fiscal e contábil", segundo o
promotor Ricardo Rocha.
Rocha lembra, ainda, que os Tribunais não têm varas
especializadas para julgar esse tipo de ação, o que faz com que elas sejam
misturadas a cerca de cinco mil processos, em média, que tramitam em cada vara
da Fazenda Pública ou Cível. "Há uma natural rejeição em se dar andamento
nessas ações, pois geralmente envolve farta documentação que tem que ser
analisada - como documentos contábeis - e nem o Ministério Público nem
Judiciário têm estrutura para tal", ressalta.
O desembargador Durval Aires Filho, membro da 7ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, reconhece que as ações de improbidade
administrativa se misturam às milhares de outras nas varas Cíveis e da Fazenda
Pública, mas não vê como possibilidade a criação de varas específicas que dê
celeridade no julgamento desse tipo de crime.
"Crimes contra o colarinho branco não despertam
interesses. Ademais vão alegar custos altos e com eles a falta de fontes
orçamentarias. Além disso, essas ações praticadas por prefeitos não despertam
interesses das Casas Legislativas no sentido de solicitar iniciativa ao Poder
Judiciário, nem muito menos por parte daqueles que têm a chave do cofre".
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