Há pouco mais de uma semana, no dia 29 de outubro, o Senado
Federal, em Brasília, estava empilhado de gente, entre parlamentares,
representantes da saúde pública nacional, professores universitários e
repórteres. A razão para o alvoroço é que, naquele dia, se discutiria a
fosfoetanolamina sintética, um composto produzido por pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP), tido como remédio eficaz no combate a
determinados tipos de câncer.
Entre os que efervesciam o debate, estava Renato Meneguelo,
médico paulista que compõe o grupo dos que pesquisam a fosfoetanolamina. Se não
estivesse lá, o profissional cumpriria um dia normal de trabalho como clínico
geral na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Tauá, a 334 quilômetros de
Fortaleza. Veio para o Ceará a convite do irmão, há pouco mais de dois anos,
quando a substância que pesquisa já era disputada por pacientes com câncer em
estágio terminal.
Como outros cientistas que todos os dias e em todos os
lugares do mundo “quebram a cabeça” para desvendar a cura do câncer, Renato
defende o ineditismo da descoberta. Ele explica, por exemplo, que o que difere
a fosfoetanolamina de outros compostos com o mesmo propósito é o fato de, para
desenvolvê-la, não terem sido investigadas proteínas ou estruturas genéticas,
mas lipídios. “Estamos na contramão do que a pesquisa procura”, declara.
Afora a linha de pesquisa, o que tornou a fosfoetanolamina
tão importante sendo uma substância que nem sequer foi testada em humanos e
regulamentada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)? Para
Renato, a resposta é simples: esperança. “O paciente já vai morrer, então quais
são os riscos para alguém que já está sem condição alguma?”, argumenta.
Riscos
Assim como é possível que a fosfoetanolamina sintética tenha
funcionalidade terapêutica em células tumorosas, é provável que a droga tenha
efeitos contrários, visto que ainda não foi testada de forma adequada em seres
humanos para se determinar dosagens corretas e níveis de toxicidade. “As
pessoas têm tomado três cápsulas. Poderiam até estar tomando mais se fosse
comprovado que uma dose maior não traria efeitos colaterais”, explicou o
oncologista Odorico de Moraes, coordenador do Núcleo de Pesquisa e
Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
No entanto, como testes fundamentais não foram feitos, o
medo é não saber cientificamente como a substância age no corpo humano. “Ela
pode estar agindo na célula tumoral, mas pode estar matando o paciente também.
E o grande problema disso é que muita gente deixa de fazer o tratamento
convencional para fazer esse outro sem saber se realmente não traz prejuízo”,
alerta Odorico.
Renato acredita que, ao contrário do que se dissemina na
imprensa e nas redes sociais, a fosfoetanolamina não é “uma promessa de cura”,
mas uma arma a mais no combate ao câncer. “Se a gente curar pelo menos uma
pessoa será muito bom, mas não mandamos ninguém parar de fazer quimioterapia”,
defende o médico.
Saiba mais
A partir dos estudos feitos na USP, o catarinense Carlos
Witthoeft - cuja mãe foi diagnosticada com câncer no útero - soube da
descoberta e procurou o Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP) para
adquirir cápsulas da fosfoetanolamina. Quando constatou que a droga surtiu
efeito, buscou novamente o instituto para aprender a produzi-la e passou a
distribuí-la.
Em junho de 2008, Witthoeft foi denunciado para a Vigilância
Sanitária e indiciado por falsificação de medicamento, já que a substância não
é regulamentada pela Anvisa.
Pacientes começaram a recorrer à USP para adquirir o
medicamento. Por ordem judicial, a universidade distribui pílulas para quem
detém de liminar.
No dia 28 de outubro, o Conselho Regional de Farmácia de São
Paulo autuou a USP por produzir e distribuir a substância sem a presença de um
farmacêutico.
Luana Severo
luanasevero@opovo.com.br
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