Somente Goiás e Sergipe, além do Distrito Federal, gastam
menos de 50% da receita corrente líquida com servidores. Para economista, alta
da despesa prejudica infraestrutura e gastos com segurança.
Por Alexandro Martello, G1, Brasília
Quase a totalidade dos estados brasileiros gastou em 2017
mais da metade de sua arrecadação líquida com servidores públicos na ativa,
aposentados e pensionistas, segundo dados fornecidos pelos governos estaduais e
disponibilizados recentemente pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Somente três unidades da federação (Distrito Federal, Goiás
e Sergipe) desembolsaram menos que 50% da receita líquida com esses servidores
no ano passado. Em 2016, eram cinco: Distrito Federal, Amapá, Ceará, Mato
Grosso do Sul e Sergipe.
Há casos de estados em que os gastos com os servidores
ativos, inativos e pensionistas superaram a marca de 60% da receita corrente
líquida em 2017, como Minas Gerais (60%), Rio de Janeiro (65%), Tocantins (66%)
e Roraima (77%).
Essa conta considera os gastos com servidores de Executivo,
Legislativo, Judiciário e Ministério Público dos estados. A Lei de
Responsabilidade Fiscal, porém, estabelece limites individuais para cada um dos
poderes.
Considerados cada um dos poderes individualmente, apenas o
Executivo estadual supera o limite da LRF, que é de até 49% dos gastos com
pessoal. Isso acontece nos seguintes estados: Santa Catarina, Minas Gerais,
Acre, Tocantins, Rio de Janeiro e Roraima.
A receita corrente líquida, considerada para efeitos do
cálculo, abate os repasses constitucionais feitos aos municípios e a
contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema previdenciário.
Impacto nos serviços públicos
Os estados brasileiros são responsáveis por atuar em
parceria com os municípios no ensino fundamental, por agir nos atendimentos
especializados de saúde e de alta complexidade, além de serem os principais
responsáveis pela segurança pública e pelo sistema prisonal.
Além da arrecadação própria, também recebem repasses de
recursos do governo federal.
Para os despesas com saúde e educação, os estados são
obrigados a gastar, respectivamente, 12% e 25% de sua receita corrente líquida,
segundo a Constituição Federal.
Entretanto, há estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo,
acusados de não cumprir esse piso constitucional, que tiveram de atender esse
requisito por determinação judicial. O estado de São Paulo contabilizou
despesas com previdência de inativos nas contas de investimentos com educação,
o que gerou uma ressalva em suas contas, apesar de ter cumprido a meta de
investimentos determinados pela Constituição na área.
Para as outros setores, como segurança pública, por exemplo,
não há um piso constitucional definido.
Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas
públicas, o valor gasto pelos estados com servidores públicos ativos e inativos
é "absurdamente alto".
"O problema são os aposentados. Porque os ativos fazem
parte do serviço e precisa ter eles lá. Precisa ter professor ativo",
declarou.
Para ele, esse peso alto dos servidores nas contas dos
estados gera impacto nos gastos com segurança.
"Têm vários outros segmentos que não são protegidos
[pela Constituição]. Um deles, um dos itens mais importantes, é a área de
segurança pública. Não tem qualquer proteção e se torna um alvo fácil das
políticas de ajuste", avaliou Velloso.
De acordo com a sócia da consultoria Oliver Wyman, Ana Carla
Abrão, ex-secretária de Fazenda do estado de Goiás, o alto valor gasto com
pessoal é um dos principais problemas dos estados.
Mesmo assim, ela avaliou que é possível alocar melhor os
recursos disponíveis porque há, de acordo com ela, muito espaço para medidas de
gestão - com uma melhor análise das necessidades reais de cada estado, além do
treinamento e avaliação dos servidores públicos.
Na avaliação da economista, também é necessário levar
adiante uma reforma administrativa nos estados brasileiros, discutindo o
emaranhado de carreiras e regras distintas de cada uma, além das progressões
salariais rápidas, que também podem ser vistas no governo federal.
Custeio e Investimentos
O detalhamento feito pelo Tesouro Nacional mostra também
que, com alto valor gastos com servidores, as despesas com custeio também são
afetadas. No ano passado, representaram de 18% a 28%, mas neste caso da receita
total.
O custeio engloba gastos com remédios, gasolina, material de
expediente, uniformes, fardamento, assinaturas de jornais e periódicos; tarifas
de energia elétrica, gás, água e esgoto; serviços de comunicação (telefone,
telex, correios); fretes e carretos; locação de imóveis, entre outros.
Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás, avaliou
que o baixo volume de recursos disponíveis para custeio, devido ao peso dos
gastos com servidores públicos e da falta de planejamento dos estados, também
impacta os serviços prestados - pois acaba restando menos dinheiro para comprar
remédios, equipamentos de saúde e para realizar reformas nas escolas, por
exemplo.
Despesas dos estados em 2017 em relação à sua receita total
(Foto: Reprodução de documento da Secretaria do Tesouro Nacional) Despesas dos
estados em 2017 em relação à sua receita total (Foto: Reprodução de documento
da Secretaria do Tesouro Nacional)
Despesas dos estados em 2017 em relação à sua receita total
(Foto: Reprodução de documento da Secretaria do Tesouro Nacional)
Aos investimentos, ainda de acordo com dados do Tesouro
Nacional, restou uma parcela de 2% a 12% do total das receitas em 2017.
O especialista em contas públicas Raul Velloso avaliou que
os investimentos estão entre os principais afetados pelo ajuste fiscal nos
estados, fruto também do alto valor gasto com servidores.
"Ninguém investe mais. É um absurdo. A infraestrutura
está em frangalhos em todos lugares. Os estados não investem nada",
declarou ele.
Relatório recente da Instituição Fiscal Independente (IFI),
ligada ao Senado Federal, mostra que, depois de avançarem entre 2008 e 2014, os
gastos dos estados com investimentos dos estados da federação recuaram nos três
últimos anos.
"Em termos de intensidade, as maiores quedas relativas
dos investimentos públicos ocorreram nos estados do Rio de Janeiro, Acre,
Espírito Santo e Amazonas. No agregado destes quatro estados o investimento
público caiu R$ 10 bilhões de 2014 a 2017", informou a IFI, em relatório.
A Instituição Fiscal Independente avaliou ainda que Minas
Gerais e Roraima estão entre os estados que apresentaram as maiores quedas
relativas nos investimentos públicos nos últimos anos.
Despesas com aposentados
O Tesouro Nacional também apresentou um detalhamento das
despesas com aposentados, em relação ao gasto total com pessoal dos estados.
De acordo com a instituição, as despesas informadas pelos
estados com servidores aposentados variaram de 1% a 62% dos gastos totais com
pessoal em 2017.
Em seis estados, esses gastos representaram 40% ou mais das
despesas totais com pessoal. São eles: Sergipe, Pernambuco, Minas Gerais, Rio
de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Este último tem 62% de suas despesas
com pessoal destinada aos servidores aposentados.
Composição da Despesa Bruta com Pessoal (Foto: Reprodução de
documento do Tesouro Nacional) Composição da Despesa Bruta com Pessoal (Foto:
Reprodução de documento do Tesouro Nacional)
Composição da Despesa Bruta com Pessoal (Foto: Reprodução de
documento do Tesouro Nacional)
Os números mostram que os estados com dificuldades estão
entre aqueles que mais gastam com aposentados.
O Rio de Janeiro, por exemplo, já ingressou no programa de
recuperação fiscal do governo, que autoriza uma suspensão no pagamento de sua
dívida com a União em troca de medidas de aumento de receita e corte de gastos.
O Rio Grande do Sul já entrou com o pedido e está em
tratativas com o Ministério da Fazenda. Minas Gerais também passa por
dificuldades em suas contas, mas ainda não optou pelo programa.
Para o economista Raul Velloso, uma solução para os estados
seria criar fundos de pensão para os aposentados, apartando essa despesa do
orçamento estadual. "O empregador contribui, mas não é responsável por
todo pagamento", diz.
Harmonização de regras contábeis
Atualmente, para não descumprir a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), que fixa em até 49% da receita corrente líquida o limite para
gastos com pessoal dos Executivos estaduais, alguns não contabilizam, por
exemplo, imposto de renda sobre a folha de pagamentos, e terceirizados, nesse
cálculo - metodologia considerada incorreta.
Para tentar harmonizar as estatísticas, recentemente o
Tesouro Nacional assinou acordo, com os tribunais de contas dos estados, para a
chamada "harmonização contábil". A ideia é que essa padronização de
regras para os estados esteja valendo a partir de 2019.
"Sem conhecimento claro de sua situação fiscal, os
gestores não poderão qualificá-la. Não há atalhos para o processo. Sem contas
no lugar, não tem saúde, educação, assistência social (...) Não nos faltam
exemplos de como a falta de clareza sobre a situação fiscal levou à falência
dos estados", declarou a então secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula
Vescovi, ao assinar o acordo com os TCEs, em março deste ano. Atualmente, ela é
secretária-executiva do Ministério da Fazenda.
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