
Atualmente, duas famílias moram lá por meio de contrato de
comodato com a imobiliária Nascimento Jucá, proprietária do imóvel. "Meu
tio trabalhava com o dono, que nos deixou viver aqui, isso em 1979. Pagamos luz
e água, mas não mudou muita coisa desde que foi tombada", relata um dos
moradores, Raimundo Nonato Oliveira, 59 anos.
Antes vizinhas, as famílias acabaram estabalecendo laço
sanguíneo, como explicou a estudante de Direito, Patrícia Oliveira, 22 anos,
sobrinha de Nonato. “Minha mãe conheceu meu pai porque ele era da família ao
lado, então meio que virou uma família só. Quando soubemos do tombamento
começamos a ter mais cuidado, mas a gente é leigo, não sabe muito bem como
ficou o processo para transformar a casa em algo", cita.
Em 2006, quando estava em processo o decreto de tombamento,
havia a proposta de que a casa fosse desapropriada e o local virasse uma
biblioteca, com base em estudos do Departamento do Patrimônio Histórico
Cultural da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (Funcet) - que deu origem à
Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) e virou Fundação de Cultura,
Esporte e Turismo.
Patrícia diz que nos últimos seis anos após o decreto
12.582/2009 ter sido oficializado, as famílias não receberam visitas e nem
foram orientadas sobre qualquer cuidado especial com o imóvel. “Na época veio
gente da Prefeitura para tirar fotos de dentro e de fora, sabemos de
iniciativas de compra do imóvel pelos outros. O que também nos deixa
apreensivos, porque minha família mora aqui há mais de 30 anos, tem toda uma
história, eu nasci aqui, meus pais casaram aqui", indica.
Memória
A escritora cearense chegou ao Sítio Pici em 1927 e desenhou
a nova casa com o pai, lembra a jornalista e escritora Socorro Acioli, 40 anos,
autora do livro ''Rachel de Queiroz'' (2007), da Fundação Demócrito Rocha.
"Existia uma casinha lá que foi derrubada para a construção dessa. A
planta foi feita pela Rachel do jeito como ela sonhou. É uma patrimônio de
imensa importância para cidade, dá muita pena que esteja abandonada".
Sâmia de Oliveira, professora de educação infantil e mãe de
Patrícia, também lamenta o estado de conservação de sua casa. "A gente fez
reparos por conta própria, mas também não pode mudar e descaracterizar. Eu não
tenho condições de sair para outro lugar, muito menos de ajeitar um patrimônio
desses", avalia.
Os reparos básicos do imóvel, necessários para a moradia da
família de Patrícia, também são problemáticos. "A gente não acha pedreiro
que saiba mexer na estrutura sem alterar, quando chove tem infiltração porque
as telhas estão velhas. Temos vontade que virasse algo cultural, aberto ao
público, mas também comprar uma casa é uma dificulade para nós", emenda
Patrícia.
Um dos coordenadores do Movimento Pró-Parque Rachel de
Queiroz, Agnaldo Aguiar, acredita que a localização do imóvel, em uma parte
esquecida da cidade, contribui para o
desinteresse do poder público ou da iniciativa privada. "[A casa] poderia
ser incorporada como um equipamento de Fortaleza ou até mesmo do shopping,
construído recentemente na área”, comenta.
“Eu sempre imaginei aquilo restaurado e transformado num
espaço que acolhesse a comunidade, crianças e jovens. A gente viaja e vê tantas
casas conservadas, como a de Jorge Amado, Pablo Neruda. Nelas você sente a
atmosfera de quem viveu lá”, explica Socorro. A jornalista também afirma que a
restauração da casa seria uma oportunidade única da população visitar uma
moradia de um escritor cearense, em Fortaleza.
O POVO Online visitou o imóvel na manhã desta terça-feira,
18, e constatou o desgaste de telhas e tijolos da construção. No quintal, as
árvores centenárias ficam situadas em descampado de terra batida. A escritora
Socorro, que recebeu autorização dos moradores para entrar no local durante sua
pesquisa, contou que os armadores das redes, bem como detalhes das janelas,
ainda eram originais.
Cidadãs
A doméstica Francisca Alves Soares, 59 anos, nunca entrou na
casa onde viveu a escritora Rachel, mas arrisca ideia para o imóvel. “Acho que
devia ser um museu. Agora tá abandonada, e o pessoal que mora lá também não tem
condição de fazer todos os reparos”. A doméstica aposentada Maria Ester Cunha
dos Anjos, 70, que caminhava com Francisca, concorda com o restauro proposto
pela amiga. “Eu sabia que a Rachel morava aí, mas também não sei muito sobre
ela, se tivesse alguém para contar, né. Eu passo todo dia aqui, seria uma boa”,
diz.
Patrimônio
Segundo o site da Secultfor, tombamento é “um ato
administrativo realizado pelo Poder Público com o objetivo de preservar, por
intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico,
cultural, arquitetônico, ambiental e, também, de valor afetivo para a
população, evitando que venham a ser destruídos ou descaracterizados".
Na página da secretaria também consta que a Casa Rachel de
Queiroz é "como um livro sem censura que deve ser lido, com certeza,
admirado, soletrado, apalpado e guardado, melhor, preservado como elemento de
materialidade para o patrimônio histórico e cultural da nossa cidade".
A Secultfor informou que, no momento, não há projeto para
desapropriação ou restauro da casa. As chamadas para a construtora Nascimento
Jucá não foram atendidas durante toda a manhã e início da tarde.
Amanda Araújo
amandaaraujo@opovo.com.br
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